12.10.25

outono e depois (dez haiku)



ao luar de outono
uma garça pesca só.
esqueci o anzol.


o vento chichia
numa casca de cigarra:
quietude na mata.


na grama do parque
folhas secas contra o vento — 
voam cambacicas.


ocaso de outono:
lá nas ricas coberturas
urubus descansam.


no nove de julho
o velho manco e seu cão
somem na garoa.


nuvem solitária
devagar sobre a montanha —
cansaço de inverno.


às margens do asfalto,
os lírios — tanta fragrância
e tanta fumaça!


um grilo, outro grilo
e outro: à beira da mata
um sino-dos-ventos.


no vidro da báscula
o ventre branco da osga.
pensei... e sumiu.


ressaca de março: 
vertigem de caracol
preso a sua casa.




poemas finalistas do IV concurso Bunkyo de Haicai.
Veja o resultado
aqui



.bcg.

2.6.25

desolado Lot

“Eis um indivíduo que não passa de um estrangeiro no meio de nós e se arvora em juiz! Pois bem: verás como te havemos de tratar pior do que a eles”.
Gênesis, 19:9


...quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade.
Alcorão, 5:32



deus, meu deus da justiça,
mandaste-me teu anjo e eu ouvi
e deixei Gomorra com a roupa do corpo.
e, no entanto seus edifícios ainda estão lá
rindo de minha obediência.


deus, meu deus de retidão,
mandaste-me teu anjo e de novo
deixei Sodoma com aquilo que não me roubaram.
e, no entanto ouço músicas e sinto o cheiro
de tantos odres de vinho derramados.


deus, meu deus de palavra,
por que o vento não sopra as cinzas dos iníquos?
dei as costas ao passado, mas ele insiste
e ergue sua silhueta no horizonte.
merece o justo sua estátua de sal?


minha boca se feche antes de dizer a má palavra
e minhas mãos se recusem ao ato impuro.
e que o sonho de quem ouviu a voz do senhor
não faça de mim apenas um covarde
que fugiu do mal que não podia combater.



.bcg.