11.10.10

paisagem noturna

à luz triste das ilusões fluorescentes,
uma velha cirze do filho a calça sem reparos.
a velha cirze do filho que não chega
uma calça velha e desesperada de trabalho.


um homem na rua escura; um outro.
poucos passos pela rua escura. os bares,
pouco iluminados de uma bulha débil,
lhes dão as costas.


as sombras, irônicas, cacarejam e dão voltas
em torno aos postes e suas lâmpadas de ouro.
as sombras e as penumbras, por toda a cidade, amarelas,
riem dos postes, da prefeitura e da Companhia Elétrica.


um galo solitário e quase extinto dorme em um subúrbio.
numa rua sem árvores, uma lua improvável
rebrilha. em algum lugar, uma praça aberta,
música e um sorriso rápido.


luminosas são as vitrines da esperança, iluminadas
suas promessas de luz própria! diante
de seu fulgor há sempre um quarto escuro
e sem prazer...


num quarto escuro, um poeta, dois pontos luminosos,
um gato, observam, adivinham os pátios internos,
os becos, as varandas sem cadeiras e outros quartos
desabitados.


a cidade inteira, céu, terra e suas estrelas.
um estrondo de vento, esguio e leve, dá voz
a esse novelo de cobras de fogo
ardendo os prados, as matas mortas,
imensa floresta sibilante de carvão.



.bcg.
do livro Ressentimento da terra e outros poemas sem aragem, inédito.