neste dia muito plano,
tão branco e sem fim,
vêm comigo minha sombra
e o papagaio.
a sombra caminha,
extrai do chão, da viagem,
provérbios antigos;
mas o papagaio,
esse está sempre aqui,
espevitado e palrante,
fixado em meu ombro
como uma estrela.
bicho colorido,
ptolomaico, kipernicano,
cruzeirense, atleticano,
o papagaio.
bicho tropical, mestiço,
tudo são cores e penas –
por isso não há conflitos
no papagaio.
“nada demais”, diz-me
quando noto que há contraste
de vermelho e verde
no papagaio.
“nada demais – de contrastes
nasce o misto, e o misto
se resolve na igualdade
qual papagaio”.
a sombra se cala.
entre ela e mim está
o arbítrio sempre falante
do papagaio,
que ora fala em matemática,
ora em moda íntima,
pois mesmo ao esdrúxulo
o papagaio
dá um lugar no discurso.
de tudo ele pode!
infinita é a aquarela
do papagaio.
fala fala fala
sem ponto, vírgula ou fim;
frequenta as baladas,
o papagaio,
conhece todo o Brasil,
goza de todas as máscaras
porque o carnaval
é papagaio.
há muito calou-se
a sombra que, esclerosada,
não fala mais nada.
diz o papagaio:
“a sombra é rebotalho de remorsos…
escuta a novidade: é meu negócio!”
e, como um comerciante,
o papagaio
furta minha atenção
sacudindo suas penas,
fingindo ser tudo:
papagaio,
corvo, puta, cientista…
rouba enfim meus problemas
com tal habilidade
o papagaio
que já não penso outra coisa
que não sejam cores
e unidade; penso apenas
no papagaio.
.bcg.